O CINEMA BRASILEIRO NOS ANOS 50

O CINEMA BRASILEIRO NOS ANOS 50: Desde o início contra os estrangeiros.(*)

                                           William Reis Meirelles

O cinema chega ao Brasil com menos de um ano de invenção. A primeira exibição pública ocorreu em 8 de julho de 1896, às quatorze horas, numa sala da Rua do Ouvidor, no. 57, no Rio de Janeiro. Um mês mais tarde ocorreu a primeira exibição em São Paulo[1].
As primeiras imagens que podem ser consideradas brasileiras foram “rodadas”, no entanto, no ano de 1898 e foi um documentário de atualidade que mostrava a chegada do “Dr. Campos Sales a Petrópolis” ou a chegada do “Dr. Prudente de Morais e sua comitiva no Arsenal da Marinha[2].
Entretanto, se como novidade o cinema chegou rapidamente ao Brasil, as preocupações com a preservação da memória do cinema Nacional datam de um período recente, da década de 50. As fontes para a pesquisa são principalmente os filmes que sobreviveram e que representam um número pequeno em relação aos que foram realizados. São importantes, também, as notícias de jornais, revistas e testemunhos orais.
A história do cinema brasileiro vai caracterizar-se, desde o início, por uma competição desigual com o filme estrangeiro e uma luta incessante para conseguir espaço no mercado exibidor.
A partir de 1907, com a produção industrial de energia elétrica, instalaram-se os primeiros cinemas com programações regulares. A instalação desses cinemas coincidiu com a organização do mercado internacional de distribuição de filmes.
Nessa época, no Brasil, instalavam-se, ou firmavam acordos com distribuidores locais, os grandes distribuidores europeus e norte-americanos para a colocação de seus filmes no mercado nacional[3].
A produção nacional era insuficiente para atender os cinemas, desse modo o filme estrangeiro ocupou o mercado passando, rapidamente, a monopolizar tanto a distribuição como a exibição de filmes.
Uma pequena indústria cinematográfica artesanal organizou-se, apesar da grande concorrência do filme estrangeiro. Instalados no Rio de Janeiro e em São Paulo, eram constituídas exclusivamente por imigrantes - italianos principalmente. Os filmes de atualidade eventos, personalidades políticas, vistas turísticas formavam o grande contingente das produções nacionais[4].
O filme de atualidade, na época também chamado “natural”, foi o que sustentou a indústria cinematográfica nas primeiras décadas do século. Os realizadores, para sobrevivência de seus negócios, praticavam o que ficou conhecido por “cavação”. O capital necessário para realização desses filmes era “cavado” junto a personalidades e ao Estado. Eram filmes que exaltavam e promoviam os financiadores.
Enquanto a indústria estrangeira se organizava em bases capitalistas, o cinema brasileiro, para sobreviver, dependia de capitais que eram conseguidos - “cavados” - graças ao paternalismo do Estado ou da elite abastada. A extensão desse paternalismo pode ser constatada através do “Guia de Filmes” editado pela Embrafilme. Uma equipe de pesquisadores compilou os filmes realizados até 1920 e constata-se que a maioria absoluta era de filmes da atualidade[5].
As verbas do Estado financiavam imagens de deslumbrantes viagens presidenciais; da gloriosa entrada do “couraçado” Minas Gerais na Baia do Rio de Janeiro; a trepidante subida de um balão militar ou cenas triunfais do último desfile militar em comemoração a um evento nacional qualquer.
As sociedades da Agricultura e da Indústria também estavam presentes ao mostrar a pujança econômica brasileira através das grandes novidades apresentadas nas diversas exposições.
O ciclo cafeeiro aparecia completo, da fazenda ao embarque no porto; o pinho do Paraná e a borracha amazônica freqüentavam assiduamente as telas cinematográficas brasileiras.
Os majestosos corsos carnavalescos da praia do Botafogo podiam abrir o noticiário, assim como o “Préstito do Clube dos Democráticos”, ou o glorioso festival promovido pelo Centro Acadêmico XI de Agosto e, ainda, os jogos da Hípica e o último grande prêmio do “Jockey[6].
No entanto, entre uma “cavação” e outra, alguns realizadores conseguiam fazer filmes “posados”, ou seja, de enredo. Um dos primeiros filmes “posados”, feito em 1908, inaugurou um gênero aceito com sucesso pelo público, foi a reconstituição do famoso “crime da mala”.
Os poucos filmes de ficção ou enredo, dessa época, procuravam imitar os concorrentes estrangeiros. Adaptações de textos literários e reconstituições de crimes de grande repercussão transformavam-se em filmes de grande sucesso de público, mas um gênero, marcadamente brasileiro, começava a despontar: a sátira política.
Entre os inúmeros filmes de sátira política realizados na década de 10, pode-se destacar “Pega na Chaleira” que satirizava os bajuladores da política e o “famoso telegrama n0 9” ridicularizando o chanceler argentino[7].
Até a década de 20, ainda que a concorrência estrangeira mantivesse o domínio do mercado, a produção nacional cresceu e já no final desse período realizavam-se filmes em Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Cataguazes e Campinas. A predominância de realizadores e técnicos já era constituída de brasileiros e a imprensa ensaiava as primeiras colunas de crítica cinematográfica.
O início da década de 30 caracteriza um momento expressivo do cinema brasileiro. Neste período muitos realizadores procuravam fazer filmes cujos argumentos expressavam de algum modo uma identidade nacional.
A temática regional surgiu como um dos caminhos para expressar os desejos e anseios dos realizadores em retratar a vida brasileira. O cineasta mineiro, Humberto Mauro, entre os realizadores da época, destacou-se pelos diversos filmes que abordavam a temática rural.
Jangadeiros e pescadores eram os personagens de “Aiterê na Praia”, realizado em Recife; coronéis e plantadores de cana foram retratados nos filmes “Revezes” e “Sangue de Irmão[8].
Em São Paulo, seguindo uma adaptação livre de um conto norte-americano, José Medina realizou um drama urbano - “Fragmentos da Vida” - rodado em exteriores e, hoje, sua cópia constitui-se em valioso documento sobre a cidade em 1.929[9].
A revista especializada Cinearte, que circulava na década de 30, foi responsável pela formação de diversos grupos de cineastas, precisamente aqueles que faziam os filmes sobre a identidade cultural brasileira[10].
No início dessa mesma década, uma inovação técnica - o cinema sonoro - veio revolucionar e promover profundas transformações no mercado produtor cinematográfico.
O cinema sonoro, no Brasil, propiciou o surgimento de um gênero cinematográfico - a “chanchada” - que se tornou por muito tempo o grande sucesso econômico e de público.
A “chanchada” era um tipo de comédia musical carnavalesca que tentou imitar os filmes musicais norte-americanos, no entanto, o realizador brasileiro ao perceber a impossibilidade de fazer um produto semelhante ao importado, passou a fazer adaptações debochadas dos originais americanos.
Os enredos ou argumentos da “chanchada” misturavam situações cômicas com números musicais, principalmente carnavalescos e grandes sucessos do rádio. A sátira política, iniciada no cinema mudo, passou a freqüentar assiduamente os enredos da “chanchada”.
O papel que o filme de atualidade desempenhou sustentando e mantendo viva a produção cinematográfica até o final da década de 20, passou, a partir daí, a ser assumido pela comédia musical carnavalesca.
A década de 40, foi um período de certa estagnação na produção cinematográfica brasileira, a realização ficou circunscrita, quase que exclusivamente, no Rio de Janeiro.
A fundação da Atlântida Cinematográfica nessa década foi o fato expressivo. Dedicou-se, por mais de vinte anos, a produzir chanchadas que alcançavam sucesso exibidas na cadeia de cinema de Luís Severiano Ribeiro, um empresário que conseguiu aliar interesses industriais (produção e distribuição) e comerciais (exibição) no mercado cinematográfico.
A “chanchada” alcançou grande sucesso popular, embora fosse vista como um produto de baixa categoria pelos críticos e estudiosos do cinema[11].
Até o final dos anos 40 o Estado permaneceu quase alheio à indústria cinematográfica brasileira.
Em 1932, o governo Federal baixou um decreto que determinava várias providências a propósito da exibição de filmes em cinemas. Pelo decreto a censura era nacionalizada e passava a ser feita pela Comissão de Censura Federal criada junto ao Ministério de Educação.
Por esse decreto, tornava-se obrigatória a exibição de cine-jornais em todos os cinemas como forma de proteger e manter garantido o mercado para produções nacionais. Foi também, instituída uma taxa destinada à produção de filmes educativos[12].
Dois anos mais tarde, um decreto criou o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural do Ministério da Educação que tinha entre suas atribuições o exercício da censura. Em 1937, um novo decreto transferiu a censura para o Departamento de Imprensa e Propaganda do Ministério da Justiça[13].
Com a queda do governo Vargas em 1945, foi criado o serviço de Censura de Diversões Públicas no Departamento de Polícia Federal. O decreto que regulamentou esse serviço de censura estabeleceu, também, a reserva de mercado para exibição do filme brasileiro de “entrecho e de longa-metragem”. Por essa lei os cinemas obrigatoriamente deviam exibir um filme brasileiro por quadrimestral[14].
Os realizadores criticaram essa legislação, diziam que ela tratava o filme apenas como um produto acabado o que em nada contribuía para um maior incremento da produção porque os decretos nada previam para os filmes a serem feitos ou em fase de realização.
O aparente descaso do Estado diante dos problemas levantados pelos realizadores do cinema brasileiro, na realidade, era uma conseqüência da pressão que distribuidores estrangeiros exerciam sobre o mercado. Muitas das tentativas para criar uma indústria cinematográfica nacional, economicamente viável, redundaram em fracasso por incorrer em um erro elementar: acreditar que bastaria fazer bons filmes que estes entrariam normalmente no circuito distribuidor de produções cinematográficas. Entretanto, a monopolização do mercado pelos estrangeiros era uma barreira intransponível.
Aos realizadores restava reivindicar o apoio do Estado através de leis que estimulassem e que protegessem a produção nacional. Já na década de 20, por falta de capital e, também, diante da impossibilidade de exibirem seus filmes, os realizadores pleiteavam a parceria do Estado. Pressupunha-se que “... só uma medida legislativa teria força para dar fôlego ao cinema nacional. E consta que um projeto existe em elaboração no Congresso Federal...”[15].
Por outro lado, no setor menos pressionados pelos estrangeiros - o do cinema educativo - o Governo Federal teve uma atuação mais efetiva. Desde 1929, vinha incentivando e promovendo a formação de arquivos de filmes educativos para a distribuição por empréstimo ou fornecimento de cópias, a preço subsidiado, para estabelecimentos de ensino e entidades congêneres.
A instituição da “taxa cinematográfica para a educação” destinava-se a formar um fundo para a realização de filmes educativos. Em 1937[16], foi criado o Instituto Nacional do Cinema Educativo - INCE - cuja finalidade era produzir e adquirir filmes. Para dirigi-lo, foi designado o professor Roquette Pinto, que convidou para chefiar o setor de produção o cineasta Humberto Mauro.
Em 1966, o INCE foi incorporado ao criado Instituto Nacional de Cinema[17]. Durante a sua existência o INCE realizou em média vinte filmes por ano sobre assuntos diversificados.
Nos seus trinta anos de existências o Instituto de Nacional de Cinema Educativo pouco contribuiu para a cinematografia brasileira, pois contando com poucos recursos financeiros e uma equipe técnica reduzida, limitou-se a produzir filmes sem preocupar-se em incentivar a formação de técnicos e especialistas em cinema educativo.
Do início do cinema no Brasil até o final dos anos 40, o movimento cinematográfico não se empenhou em discutir o filme nacional, como ocorreria nos anos posteriores, limitando-se a reivindicar medidas protecionistas junto ao Estado.
A revista Cinearte[18] que dedicava parte de suas matérias e noticiário ao cinema brasileiro, representou um caminho na divulgação e discussão para a formação de um movimento cinematográfico expressivo da cultura brasileira. Serviu de estímulo à formação de grupos interessados em aprender a fazer cinema, como por exemplo, o grupo de Cataguazes do qual fez parte Humberto Mauro e onde foram realizados alguns filmes com preocupação de discutir questões ligadas ao Brasil[19].
A imprensa, de modo geral, pouco se preocupava em discutir e divulgar filmes brasileiros. Quando o fazia era repetitiva na crítica à má qualidade e até à sua “inexistência”[20]. O mesmo ocorria com os clubes de cinema fundados no período, que limitavam-se a exibir e debater os chamados “clássicos”, principalmente filmes europeus e russos.
No ano da criação do Ince, a Igreja através da Ação Católica Brasileira criou o Serviço de Informações Cinematográficas que tinha entre seus objetivos o de criar uma espécie de censura própria, a “Cotação Moral dos Espetáculos”, ou seja, elaborar um índex dos filmes que podiam e dos que não podiam ser vistos.
Em 1946, após a queda do Estado Novo, foram fundados: o Clube de Cinema da Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, e o Clube de Cinema de São Paulo transformado na Filmoteca do Museu de Arte Moderna e depois em Fundação da Cinemateca Brasileira. Estes dois clubes foram os primeiros que tiveram entre seus objetivos criar um acervo próprio de filmes. Neste mesmo ano foi fundada, no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos que visava congregar todos aqueles que se dedicavam à crítica cinematográfica[21].
Assim, o cinema brasileiro até o final dos anos 40 caracterizou-se por uma produção artesanal de filmes sufocada pela monopolização do mercado exibidor para o cinema estrangeiro.
Desde o seu início a cinematografia sobreviveu dependente de ações do Estado caracterizadas por ações de ordem paternalista. Teve algum impulso nos setores de menor pressão externa. Consequentemente, foram os setores protegidos que conseguiram sobreviver desenvolvendo-se, mais ou menos, sem interrupção.
A falta de capitais, a intervenção do Estado e a monopolização do mercado exibidor pelas distribuidoras estrangeiras representaram os principais entraves à criação de uma indústria cinematográfica nos moldes dos países desenvolvidos. Esses entraves serão também os fatores que irão delinear a produção que é objeto de estudo nesse trabalho.
Alguns filmes de ficção, realizados com capital do próprio, correndo todos os riscos do mercado, foram os que buscavam melhor exprimir uma identidade independente.
A preocupação dos realizadores brasileiros em filmar argumentos que representassem as manifestações da cultura nacional não significava que apenas o setor cinematográfico tivesse esse tipo de direção. Essa procura da identidade cultural era produto de um contexto histórico em que todos os setores da vida nacional buscavam identificar uma cultura brasileira[22].
Os filmes que retrataram dramas de caráter regional, as diversas adaptações de textos literários de expressão nacional e reconstituições de fatos da história foram manifestações produzidas no interior de um grande debate que caracterizou um momento na História do Brasil. Dessa forma, toda produção cinematográfica, produto elaborado dentro de um contexto histórico determinado traz em seu bojo as características da época, bem como as diversas formas de ver a cultura brasileira.








[1] (1) Cf. VIANY, Alex - Introdução ao Cinema Brasileiro. Rio de Janeiro: INL, 1959; p. 19. E, também, BARRO, Máximo - A Primeira Sessão de Cinema em São Paulo. São Paulo: Cinema em Close Up, s/d; p. 26-7. A informação sobre a exibição de São Paulo, aparentemente, é a mais precisa e baseia-se em notícia publicada na época (cf. Barro).
[2] Cf. EMBRAFILME - Guia de Filmes (1897-1910). Rio de Janeiro: Embrafilme, 1984, p. 10.
[3] Cf. BERNARDET, Jean-Claude - Cinema Brasileiro: proposta para uma História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 11-2.
[4] Cf. GOMES, Paulo Emílio Salles - Cinema: Trajetória do Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Todos os dados relativos à história do cinema brasileiro referentes ao período que antecedeu a década de 50, basearam-se no texto deste autor que elaborou uma síntese expressiva dos momentos mais significativos do cinema brasileiro, em que pese uma visão idílica e idealista de certas passagens do texto.
[5] Cf. EMBRAFILME - Guia de Filmes, obra citada.
[6] Cf. EMBRAFILME, idem, ibidem.
[7] Cf. GOMES P. E. S., obra citada, p. 45-6.
[8] (8) Cf. GOMES, P.E.S., obra citada, p. 63.
[9] Cf. GOMES, P.E.S., obra citada, p. 66. Existe cópia do filme conservada na Fundação Cinemateca Brasileira.
[10] Cf. GOMES, P.E.S., obra citada, p. 59.
[11] Cf. GOMES, P.E.S., obra citada, p. 73.
[12] Decreto nº 21.240 de 4 de abril de 1932, citado in: VIANY, A., obra citada, p. 396-401.
[13] Cf. ANDRADE, Rudá - Cronologia da Cultura Cinematográfica no Brasil. São Paulo: Cinemateca Brasileira, 1962, p. 8-9.
[14] VIANY, A., obra citada, p. 404-5.
[15] De uma notícia publicada no jornal O Estado de São Paulo em 19 de novembro de 1920, citado in: BERNARDET, Jean-Claude, obra citada, p. 33.
[16] Lei 378, artigo 40, que reorganizava O Ministério da Educação e Saúde Pública
[17] O INCE foi incorporado ao Instituto Nacional de Cinema através de decreto-lei de novembro de 1966. O texto integral da lei foi publicado na revista Filme e Cultura. Rio de Janeiro (2): nov/dez. 1966, p. 55-61. Cf. artigo 33 do decreto-lei.
[18] A revista Cinearte foi fundada em 1926, por Adhemar Gonzaga e circulou até 1942. Cf. ANDRADE, R. obra citada, p. 6 e 10.
[19] Cf. GOMES, P. E. S. obra citada, p. 59 e 62.
[20] Cf. idem, ibidem, p. 58-9.
[21] Cf. ANDRADE, Rudá, obra citada, p. 11.
[22] Cf. MOTA, Carlos Guilherme - Ideologia da Cultura Brasileira. S. Paulo: Ática, 1978. Vide capítulo III, p. 110. A questão da “cultura brasileira” encontra-se especialmente na parte referente ao I Congresso Brasileiro de Escritores, p. 137-153.

(*) O artigo é uma adaptação da Dissertação de Mestrado  do autor - “Cinema e História: O Cinema Brasileiro nos anos 50”